"Costa Rica: a felicidade de nao ter um exercito"
By: Joao Ruela Ribeiro
Publico (Portugal)
December 21, 2013
Originally published: http://www.publico.pt/mundo/noticia/costa-rica-a-felicidade-de-nao-ter-um-exercito-1617064
É numa das regiões mais instáveis do mundo que está um dos países que fez do pacifismo um modo de vida e que se orgulha de ter mais professores do que soldados. Há 65 anos, a Costa Rica aboliu as suas forças armadas e substituiu as bases militares por escolas. Pretende ser o primeiro país em desenvolvimento a deixar de ser dependente de carvão,até 2021. E os costa-riquenhos são o povo mais feliz do planeta, de acordo com o Happy Planet Index. “Parece algo tirado da lista de desejos da música Imagine de John Lennon”, como escreveu a revista Diplomat. Apesar de apresentar sinais de alguma inquietação, o paradigma pacifista da Costa Rica parece estar aí para ficar, mas a América Latina ainda não é uma região segura.
Na manhã de 1 de Dezembro de 1948, o Presidente, José Figueres Ferrer, declarava “oficialmente dissolvido o Exército Nacional, por considerar suficiente para a segurança do país a existência de um bom corpo de polícia.” “O Exército Regular da Costa Rica (...) entrega a chave deste quartel às escolas, para que seja convertido num centro cultural.”
Não obstante o carácter louvável da deposição das armas, por trás da decisão do novo Presidente estiveram razões bem mais pragmáticas. A subida de Ferrer ao poder aconteceu depois de um confronto militar entre o Exército da Costa Rica, apoiado por guerrilhas comunistas, e a sua própria facção de homens armados. A ausência de forças armadas na Costa Rica significava também a ausência de ameaças para Don Pepe, como era carinhosamente conhecido.
O investigador do Instituto de Ciências Sociais (ICS) Andrés Malamud sintetiza os ganhos que a Costa Rica obteve nas últimas décadas: “Em contraste com a maioria da América Central, não teve mais guerras civis e, em contraste com a maioria da América Latina, não teve mais golpes de Estado.”
Para além disso, a falta de forças armadas permitiu que os orçamentos para a educação e para a saúde fossem mais generosos. Não é por acaso que a Costa Rica é conhecida como a “Suíça da América Latina”. A esperança média de vida tem um valor quase nipónico, de 78 anos, e a taxa de alfabetização é de 96,3%, valores que fariam corar muitos países europeus.
Nas relações externas, a Costa Rica aposta nas virtudes do “multilateralismo”, confiando na diplomacia e no papel das instituições supranacionais para a resolução de conflitos. É o que tem acontecido com o diferendo que envolve a fronteira com o Nicarágua. As reivindicações territoriais entre os dois países têm mais de um século, mas em Outubro de 2011 conheceram novos desenvolvimentos. Um grupo de trabalhadores nicaraguenses foi enviado para a foz do rio San Juan – a fronteira natural entre os dois países – onde iniciaram a dragagem do local, chegando mesmo a montar um acampamento guardado por 50 soldados em território costa- riquenho. A resposta não tardou, com o Governo da Costa Rica a enviar 70 polícias para o local e
a interpor uma acção junto do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ). A Nicarágua argumento que o local onde o contingente estacionou ainda pertencia ao país, servindo-se de uma imprecisão do Google Maps como prova da reivindicação. Constatando o óbvio, a Google aconselhou os governos mundiais a não tomarem decisões geoestratégicas tendo como base a sua aplicação. A Time chamou-lhe a “guerra do século XXI”.
Em Novembro, o TIJ decidiu a favor da Costa Rica e ordenou Manágua a retirar todo o equipamento e o pessoal que tinha no território disputado. O ministro dos Negócios Estrangeiros da Costa Rica, Enrique Castillo, saudou aquela que foi “uma vitória do direito internacional”. E também do pacifismo costa-riquenho, reconhecido pela comunidade internacional. É na capital, San Juan, que se situa, por exemplo, a sede do Tribunal Inter-Americano dos Direitos Humanos, desde 1979, e foi igualmente na Costa Rica que a ONU instalou, em 1980, a Universidade para a Paz.
Uma região intranquila
Por tudo isto, o pacifismo tornou-se consensual na Costa Rica e é visto como “um factordiferenciador do país face a vizinhos vistos de fora como belicistas, pouco confiáveis e incapazes de construir sociedades equilibradas e justas”, observa o docente do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) Marcos Farias Ferreira. No entanto, o aparecimento recente de um grupo armado que afirma estar a preparar-se para defender o país na eventualidade de um conflito vem mostrar que o pacifismo pode não ser tão transversal como aparenta. Trata-se de um grupo de cerca de cem elementos, liderados por um ex-chefe da polícia, que se autodenomina como “Frente Patriótica para a Defesa Nacional” e que afirma ter passado os últimos meses em exercícios militares na selva do país.
A Presidente da Costa Rica, Laura Chinchilla, demarcou-se de imediato das acções do grupo, afirmando que “esta é a via que levou outros países latino-americanos a importar fórmulas guerrilheiras ou paramilitares.” A resistência do Governo costa-riquenho tem por base os vários exemplos, por toda a América Latina, de grupos armados que degeneraram em ameaças internas para os próprios regimes, tais como as Autodefesas Unidas da Colômbia, o Exército Popular do Povo Paraguaio ou o Sendeiro Luminoso.
Não é provável que este tipo de grupos encontre terreno fértil na pacífica Costa Rica, apesar de haver o reconhecimento de que os desentendimentos fronteiriços mais recentes obrigam a um fortalecimento em matéria de segurança. “A linha que separa este reforço da militarização é muito ténue”, afirma Marcos Ferreira. No entanto, o docente prevê que, “na conjuntura actual os actores políticos não defenderão essa alteração tão crítica do carácter e da identidade do país.” O tempo em que os homicídios e os golpes de Estado eram a forma privilegiada de substituição dos líderes políticos na América Latina já são relíquias, mas nem por isso os conflitos cessaram.
Considerando que “a possibilidade de guerra entre dois Estados é baixa”, o investigador do Council of Hemispheric Affairs (COHA), Alejandro Sanchez, sublinha que “os problemas e os desafios à segurança da região são hoje em dia de carácter interno” e elege o narcotráfico e os grupos violentos como as maiores ameaças.
Depois da Costa Rica, também o Panamá aboliu as suas forças armadas, após a queda de Manuel Noriega em 1989, sugerindo que o exemplo costa-riquenho pudesse ser seguido. No entanto, ambas as decisões foram conjunturais, não fazendo supor, segundo Marcos Farias Ferreira, que outros países sigam o mesmo caminho.
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